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Áudio Espacial - Para além da euforia.
2 Agosto, 2023

  

A Euforia.

Vive-se atualmente um entusiasmo em torno do áudio espacial, também designado como áudio 3D, termos que surgem com frequência em eventos tecnológicos. Líderes da tecnologia atual, como Apple, Meta, Microsoft e Dolby anunciam experiências imersivas, das quais o áudio espacial é elemento integral. A tendência confirma-se nas indústrias do Gaming, Cinema e Musica, que anunciam produções proporcionando uma crescente sensação de imersão [1][2]. A indústria do áudio espacial está em fase de franco crescimento. Num relatório de 2023, o mercado representava um valor de US$ 5,7 biliões em 2022 com crescimento estimado até US$ 11 biliões em 2028 [3], e US$ 31,9 biliões em 2032 [4].

 

 

 

 

O que é áudio espacial?

O áudio espacial é uma tecnologia de geração e reprodução de som que pretende corresponder à experiência de como naturalmente ouvimos através dos nossos ouvidos. Na sua essência está um processamento de sinal que traduz as características naturalmente impostas pela anatomia humana e pelo meio envolvente na propagação de ondas sonoras, desde o emissor até ao canal auditivo de cada ouvido.

O ideal de base desta tecnologia é o de reproduzir fielmente a perceção da audição humana natural.

O áudio espacial diferencia-se de tecnologias tradicionais, como o estéreo, na riqueza de informação contida no sinal. Com mais informação disponibilizada, o cérebro incorre numa mais completa perceção do ambiente sonoro, nomeadamente na sua representação espacial.

Os formatos de áudio espacial podem ser reproduzidos por intermedio de altifalantes ou, mais convenientemente, por auscultadores, caso em que se refere ao sinal resultante áudio binaural.

 

 

Figura 1 - Representação do uso do theatrophone (adaptado de [5])

Experiências imersivas.

A nossa experiência natural como humanos constrói a perceção do ambiente integrando informação proveniente dos nossos sentidos.

Um objetivo tecnológico tem (historicamente) sido o de ser possível reproduzir a experiência natural de forma cada vez mais convincente – uma experiência imersiva. A contribuição do áudio espacial para imersão é a capacidade que comporta para uma experiência auditiva perceptualmente indistinguível da natural, proporcionando a sensação de estar no centro de uma paisagem sonora virtual.

Pioneiro na procura por uma representação espacial mais fiel, o theatrophone (1881 a 1932), é apontado como o primeiro dispositivo para a reprodução ao publico empregando áudio binaural. Mas foi pelo cinema que o áudio espacial chegou a um público mais amplo, aquando da implementação de um sistema surround para a exibição do popular filme Walt Disney “Fantasia” (1940).

 

 

 

Figura 2. “Oscar”, o manequim com microfones embutidos no rosto (1931). As suas pioneiras captações binaurais surpreendiam pela autenticidade da representação espacial (adaptado de [6]).

 

Continuando a explorar sistemas mais realistas, o desenvolvimento do sistema Dolby Laboratories  surround de 1973, destinado à industria cinematografia, seria o ponto de partida para a popularização deste formato em relação ao estéreo, tanto em salas de cinema como no uso doméstico. Simultaneamente, com avanços na tecnologia de transdutores, também o áudio binaural ganhava protagonismo. Em 1978, Lou Reed lancaria Street Hassle, o primeiro álbum pop comercial gravado em áudio binaural.

A era moderna trouxe um renovado interesse no áudio espacial e binaural, em parte devido ao fácil acesso ao equipamento, bem como, numa incessante busca por experiências mais ricas, o aumento geral do interesse comercial na tecnologia. Em 2021 a parceria Apple-Dolby disponibilizava o seu formato de áudio binaural na plataforma de streaming, pondo ambas empresas no centro mediático da revolução do áudio espacial de hoje.

 

 

 

 

Os sistemas imersivos modernos são usualmente suportados em três fontes de informação, visão, som e toque, e visam reproduzir a perceção de eventos reais. A tecnologia RV atual estabelece-se como plataforma de eleição para a implementação de ambientes imersivos. Com a sua crescente adoção adivinha-se uma maior prevalência do áudio espacial na geração de ambientes imersivos cada vez mais realistas, concedendo a sensação de presença num mundo virtual.

 

 

Figura 3. Ferramentas como Óculos RV [7] (esq.) e sistemas CAVE [8] (dir.) são emparelhados com áudio espacial para experiências imersivas

 

 

 

Áudio espacial na investigação científica.

Longe do centro mediático estão as notícias sobre a contribuição do áudio espacial na investigação científica. A autenticidade conferida pelo áudio espacial abre uma janela para novas oportunidades. Notável é a sua utilidade quando aliado à RV, conferindo uma plataforma multimodal para a realização de protocolos experimentais ecologicamente válidos e replicáveis. Ou seja, possibilita experiências audiovisuais com participantes em laboratório com alto grau de realismo, permitindo manipulação precisa de casos de uso complexo.

 

 

 

 

Um caso óbvio é a contribuição do áudio espacial para o progresso no entendimento do aparelho auditivo. A simulação realista dos efeitos de diversas tipologias de perda de audição e de aparelhos auditivos permitem investigar a consequente deterioração na perceção auditiva [9]. Tais simulações comportam também vantagens práticas, como no processo de instalação de aparelhos auditivos, que tradicionalmente baseiam-se em estímulos e condições acústicas simplistas. Recorrendo a VAEs, condições acústicas complexas que se assemelhem a casos reais podem ser simuladas na avaliação de diferentes algoritmos e configurações do aparelho auditivo [10].

 

Noutro exemplo, neste caso aplicado à investigação fundamental no estudo da perceção do movimento de uma fonte sonora. Estudos anteriores nesta área, eram frequentemente perturbados pela interferência e limitações do aparato mecânico de geração do movimento da fonte sonora (altifalante). Em VAEs, estas limitações são facilmente suprimidas, permitindo trajetórias complexas e controle preciso de ruido externo [11].

Investigação sobre paisagens sonoras urbanas na transição para veículos elétricos é outro tópico onde vários estudos recorrem a esta tecnologia para a geração de paisagens sonoras realistas e facilmente manipuláveis, incluindo estudos sobre o efeito percetual da disposição espacial das fontes sonoras [13] [14]. Num estudo investigando o processo de decisão na condição de atravessamento numa passadeira rodoviária, avaliou-se o efeito do ruido emitido por um veículo em aproximação. Para a realização de experiências com participantes implementou-se um cenário de atravessamento em RV incorporando simulações audiovisuais dinâmicas em que a paisagem sonora incluía o ruído emitido pelo veículo, caracterizado por intensidade, direccionalidade, trajetória e orientação [15].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 4. Experiências em cenário de atravessamento realizadas em ambiente imersivo CAVE [15].

 

 

 

A aplicação de ambientes imersivos tem sido vista como uma ferramenta cada vez mais importante na área da saúde, em que a redução de stress é um tópico ativo de pesquisa. Como complemento à musicoterapia, ambientes empregando áudio espacial foram considerados eficazes na redução de stress em indivíduos diagnosticados com depressão e transtornos de ansiedade [16].

Concluindo:

A tecnologia de áudio espacial tornou-se crucial para a implementação de ambientes altamente imersivos, cada vez mais frequentes propulsionados pelo progresso em RV [17]. À medida que estas tecnologias ganham popularidade, esperam-se novas e emocionantes aplicações de áudio espacial, sem esquecer que as implicações do áudio espacial terão um impacto para além do mundo do entretenimento. Embora existam obstáculos a superar, como a falta de estandardização de formatos e protocolos de comunicação, o futuro do áudio espacial apresenta-se promissor. Como a história parece mostrar, os avanços tecnológicos alimentam o desejo de replicar experiências realistas com crescente fidelidade.

 

 

 

 

Por Frederico Pereira - Técnico de Desenvolvimento Sénior HTIR


[1] https://appleinsider.com/articles/23/01/29/why-spatial-audio-is-the-future-of-the-music-industry-even-if-you-hate-it

[2] https://www.rollingstone.com/culture-council/articles/spatial-audio-next-revolution-in-audio-1234609914/

[3] https://www.marketwatch.com/press-release/3d-audio-market-size-report-estimated-at-usd-575003-million-in-2023-with-growing-at-a-cagr-of-1152-forecast-period-2023-2028126-pages-report-2023-02-15

[4] https://www.futuremarketinsights.com/reports/global-3d-audio-market

[5] https://medium.com/museum-of-portable-sound/the-théâtrophone-worlds-first-stereo-audio-broadcast-paris-1881-a4bf302cde35

[6] S. Paul Binaural recording technology: A historical review and possible future developments

[7] https://varjo.com/products/vr-3/

[8] https://steantycip.com/projects/virtual-reality-tore/

[9]. Cuevas-Rodriguez, M., Gonzalez-Toledo, D., Rubia-Cuestas, E., Garre, C., Molina-Tanco, L., Reyes-Lecuona, A., ... & Picinali, L. (2017, May). An open-source audio renderer for 3D audio with hearing loss and hearing aid simulations. In AES Convention 142.

[10]. An Extended Binaural Real-Time Auralization System With an Interface to Research Hearing Aids for Experiments on Subjects With Hearing Loss, Pausch  et al 2018

[11]. Carlile, S., & Leung, J. (2016). The perception of auditory motion. Trends in hearing, 20, 2331216516644254.

[13] Rajguru, C., Obrist, M., & Memoli, G. (2020). Spatial soundscapes and virtual worlds: Challenges and opportunities. Frontiers in Psychology, 11, 569056

[14] Sanchez, G. M. E., Van Renterghem, T., Sun, K., De Coensel, B., & Botteldooren, D. (2017). Using Virtual Reality for assessing the role of noise in the audio-visual design of an urban public space. Landscape and Urban Planning, 167, 98-107

[15] Soares, F., Silva, E., Pereira, F., Silva, C., Sousa, E., & Freitas, E. (2020). The influence of noise emitted by vehicles on pedestrian crossing decision-making: A study in a virtual environment. Applied Sciences, 10(8), 2913.

[16] Greenberg, D. M., Bodner, E., Shrira, A., & Fricke, K. R. (2021). Decreasing Stress Through a Spatial Audio and Immersive 3D Environment: A Pilot Study With Implications for Clinical and Medical Settings. Music & Science, 4, 2059204321993992

[17] Kern, A. C., & Ellermeier, W. (2020). Audio in VR: Effects of a soundscape and movement-triggered step sounds on presence. Frontiers in Robotics and AI, 7, 20.], [ [Li, H., & Lau, S. K. (2020). A review of audio-visual interaction on soundscape assessment in urban built environments. Applied acoustics, 166, 107372.